JBS comprou gado da família do maior desmatador da Amazônia

por André Campos | 09/03/15
Cirineide Castanha, mãe de Ezequiel Castanha, vendeu gado para a JBS. Antes disso, ela recebera mil cabeças da fazenda do marido, acusado de ser parte da quadrilha que grilava e desmatava terras.
A JBS Friboi, maior processadora de carne bovina do mundo, adquiriu centenas de cabeças de gado de Cirineide Bianchi Castanha, mãe de Ezequiel Antônio Castanha, preso pela Polícia Federal sob acusação de ser “o maior desmatador da Amazônia de todos os tempos”. Documentos obtidos pela Repórter Brasil revelam que os animais eram provenientes de Nova Bandeirantes, Mato Grosso, região onde a família controla diversas propriedades. Antes dessas vendas, em fevereiro de 2013, o pai de Ezequiel, Onério Castanha, transferiu mil cabeças de gado que estavam em seu nome para Cirineide – esposa de Onério e mãe de Ezequiel.

Pai e filho são réus de ação penal movida pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA). A ação descreve Ezequiel como o chefe de uma quadrilha responsável por grilagem de terras, invasão de áreas públicas e desmatamento ilegal no entorno da BR-163, rodovia que atravessa milhares de quilômetros de floresta amazônica. O fazendeiro Onério Castanha, pai de Ezequiel, é apontado como membro dessa quadrilha. Além de coautor de vários crimes ambientais para a implantação clandestina de pastagens, ele seria um dos principais “laranjas” do grupo visando esconder o patrimônio obtido por meio da atividade criminosa.

O histórico de ilegalidades associado a Ezequiel e Onério é um obstáculo para que ambos comercializem gado com alguns frigoríficos. Nesse contexto, as novas informações sugerem que a família Castanha pode ter contado com mais um membro da família para fazer a produção chegar ao abate – a chamada “lavagem” dos bois.

A JBS afirmou que, a partir das informações disponibilizadas pela Repórter Brasil, bloqueou qualquer tipo de comercialização de gado proveniente de Cirineide. Segundo a empresa, Onério já estava bloqueado no cadastro de fornecedores diretos da empresa desde fevereiro de 2012, por constar na lista de áreas embargadas do Ibama, na “lista suja” do trabalho escravo e também por detecção de desmatamento via satélite em 2010 e 2011.
Situações como esta exemplificam os riscos de envolvimento com produtores associados a crimes socioambientais aos quais os frigoríficos estão sujeitos, em suas cadeias produtivas, por conta dos chamados “fornecedores indiretos” – aqueles que encaminham animais para outros fazendeiros, que, por sua vez, vendem bois à indústria. É uma prática comum na pecuária, onde muitas fazendas não se dedicam a todas as etapas da criação de bois – cria, recria e engorda – antes do abate.

Esse tipo de comércio facilita o escoamento da produção de fazendeiros inseridos em “listas sujas” do governo federal, como, por exemplo, o cadastro de empregadores flagrados usando mão de obra escrava pelo Ministério do Trabalho e Emprego ou de produtores embargados por crimes ambientais identificados pelo Ibama. Importantes frigoríficos, entre eles a JBS, já assumiram compromissos públicos de monitorar e restringir negócios com pecuaristas inseridos em tais cadastros.

Embargos ambientais e trabalho escravo

Ezequiel e Onério Castanha possuem diversas multas e embargos lavrados pelo Ibama em Nova Bandeirantes e nos municípios paraenses de Novo Progresso, Altamira e Itajubá. Boa parte dos casos está relacionado ao desmatamento e à instalação de pastagens ilegais na Flona Jamanxim, Unidade de Conservação no sudoeste do Pará. O local concentra, de acordo com o MPF-PA, grande parte das atividades criminosas da quadrilha.
Além de autuado por crimes ambientais, Onério Castanha também foi incluído na “lista suja” do trabalho escravo em julho de 2012. Fiscais do Ministério do Trabalho libertaram 19 trabalhadores que faziam manutenção de pasto na Fazenda Serrinha, arrendada pelo produtor em Nova Bandeirantes. Onério permaneceu na “lista suja” até dezembro de 2014, quando uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, determinou a suspensão desse cadastro.

A JBS e os outros frigoríficos signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo comprometem-se a restringir negócios, em suas cadeias produtivas, com empregadores inseridos na “lista suja”. A empresa chegou a ser suspensa do Pacto em 2012, por descumprir obrigações previstas no monitoramento da cadeia de fornecedores. Em janeiro de 2014, no entanto, foi readmitida entre os signatários.

“Visto que a JBS apresentou propostas e metodologias que visam controlar o sistema de compras da empresa, mas não lida diretamente com o problema central da pecuária brasileira, à saber a triangulação do gado,  a empresa irá liderar e apoiar a criação de Grupo de Trabalho específico do setor de pecuária, que tem como objetivo mapear os problemas setoriais apresentando possíveis soluções“, informou à época uma nota do Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto. 

Conter o desmatamento associado a essa triangulação com fornecedores indiretos é outro compromisso assumido pela JBS, num acordo firmado com a ONG Greenpeace para a adoção de critérios míminos de compra de gado na Amazônia. Os frigoríficos Marfrig e Minerva também assumiram a mesma meta, mas os resultados, segundo o Greenpeace, ainda são tímidos. “Para além de alguns projetos pilotos, ainda não existem mecanismos sistemáticos para o monitoramento de fornecedores indiretos. Isso nos preocupa”, diz Adriana Charoux, da campanha Amazônia da ONG.
Posição da JBS

Depois de bloquear a comercialização de gado proveniente de Cirineide, a JBS afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a única propriedade fornecedora cadastrada em nome dela era a Fazenda Marajoara e que essa propriedade não está presente nas listas do MTE e do Ibama. A empresa afirma que, segundo o sistema de monitoramento socioambiental da empresa, não há irregularidades na propriedade.

A JBS informa ainda que existem atualmente 2.232 fazendas fornecedoras de gado bloqueadas pela empresa para qualquer transação comercial, resultado das ações de monitoramento socioambiental da empresa. “Processos de auditoria independente, promovidos pelo Ministério Público Federal e no âmbito do compromisso público com o Greenpeace, sobre as compras de gado da JBS e o funcionamento do sistema de monitoramento socioambiental da companhia, revelaram mais de 99% de conformidade com nossos compromissos em favor de uma cadeia de produção mais sustentável”, coloca a JBS.

A Repórter Brasil também tentou contato com Onério e Cirineide Castanha, e com o advogado que representa, além dos dois, o filho do casal, Ezequiel Antônio Castanha. Não obteve retorno até o fechamento dessa reportagem.
GTA-Verde: controle adiado


A JBS e os outros dois maiores frigoríficos brasileiros – Marfrig e Minerva – encampam atualmente o Plano GTA-Verde, que visa desenvolver, em parceria com o governo federal, um novo procedimento para emissão das Guias de Transito Animal (GTAs). As GTAs são documentos obrigatórios da vigilância sanitária que devem acompanhar qualquer transporte de animais pelo país. Permitem, portanto, rastrear o deslocamento de bois entre fazendas e de fazendas até as unidades industriais. A ideia é que a emissão das GTAs leve em conta a lista de áreas embargadas pelo Ibama e a “lista suja” do trabalho escravo, impedindo assim a entrada de propriedades e produtores irregulares no mercado de gado.

A meta inicial era implementar a GTA-Verde até dezembro de 2013, mas, de acordo com a JBS, esse processo ainda está em construção. “Atualmente, há cosenso em torno da ideia como solução prática para questão dos fornecedores indiretos entre as três maiores empresas frigoríficas do país. O próximo passo é a criação de consenso entre os demais membros da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carne (Abiec)”, afirma a companhia.
Fotos: Divulgação/Ibama e
CarneOsso/ Repórter Brasil
* Essa página foi atualizada às 20h do dia 9 de março para substituição da palavra “mãe” por “família” no título e para a troca de uma foto