A JBS Friboi, maior processadora
de carne bovina do mundo, adquiriu centenas de cabeças de gado de Cirineide Bianchi Castanha, mãe de
Ezequiel Antônio Castanha, preso pela Polícia Federal sob acusação de ser “o
maior desmatador da Amazônia de todos os tempos”. Documentos obtidos pela Repórter Brasil revelam que os animais eram provenientes de Nova Bandeirantes, Mato Grosso, região onde a família controla diversas
propriedades. Antes
dessas vendas, em fevereiro de 2013, o pai de Ezequiel, Onério Castanha,
transferiu mil cabeças de gado que estavam em seu nome para Cirineide – esposa
de Onério e mãe de Ezequiel.
Pai e filho são réus de ação
penal movida pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA). A ação descreve Ezequiel
como o chefe de uma quadrilha responsável por grilagem de terras, invasão de
áreas públicas e desmatamento ilegal no entorno da BR-163, rodovia que atravessa
milhares de quilômetros de floresta amazônica. O fazendeiro Onério Castanha,
pai de Ezequiel, é apontado como membro dessa quadrilha. Além de coautor de vários
crimes ambientais para a implantação clandestina de pastagens, ele seria um dos
principais “laranjas” do grupo visando esconder o patrimônio obtido por meio da
atividade criminosa.
O histórico de ilegalidades associado
a Ezequiel e Onério é um obstáculo para que ambos comercializem gado com alguns
frigoríficos. Nesse contexto, as novas informações sugerem que a família
Castanha pode ter contado com mais um membro da família para fazer a produção
chegar ao abate – a chamada “lavagem” dos bois.
A
JBS afirmou que, a partir das informações disponibilizadas pela Repórter Brasil, bloqueou qualquer tipo
de comercialização de gado proveniente de Cirineide. Segundo a empresa, Onério
já estava bloqueado no cadastro de fornecedores diretos da empresa desde
fevereiro de 2012, por constar na lista de áreas embargadas do Ibama, na “lista
suja” do trabalho escravo e também por detecção de desmatamento via satélite em
2010 e 2011.
Situações como esta exemplificam
os riscos de envolvimento com produtores associados a crimes socioambientais aos
quais os frigoríficos estão sujeitos, em suas cadeias produtivas, por conta dos
chamados “fornecedores indiretos” – aqueles que encaminham animais para outros fazendeiros,
que, por sua vez, vendem bois à indústria. É uma prática comum na pecuária,
onde muitas fazendas não se dedicam a todas as etapas da criação de bois –
cria, recria e engorda – antes do abate.
Esse
tipo de comércio facilita o escoamento da produção de fazendeiros inseridos em “listas
sujas” do governo federal, como, por exemplo, o cadastro de empregadores flagrados
usando mão de obra escrava pelo Ministério do Trabalho e Emprego ou de
produtores embargados por crimes ambientais identificados pelo Ibama.
Importantes frigoríficos, entre eles a JBS, já assumiram compromissos públicos
de monitorar e restringir negócios com pecuaristas inseridos em tais cadastros.
Embargos ambientais e trabalho escravo
Ezequiel e Onério Castanha possuem diversas multas e embargos lavrados pelo Ibama em Nova Bandeirantes e nos municípios paraenses de Novo Progresso, Altamira e Itajubá. Boa parte dos casos está relacionado ao desmatamento e à instalação de pastagens ilegais na Flona Jamanxim, Unidade de Conservação no sudoeste do Pará. O local concentra, de acordo com o MPF-PA, grande parte das atividades criminosas da quadrilha.
Além de autuado por crimes
ambientais, Onério Castanha também foi incluído na “lista suja” do trabalho
escravo em julho de 2012. Fiscais do Ministério do Trabalho libertaram 19 trabalhadores
que faziam manutenção de pasto na Fazenda Serrinha, arrendada pelo produtor em
Nova Bandeirantes. Onério permaneceu na “lista suja” até dezembro de 2014,
quando uma liminar do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo
Lewandowski, determinou a suspensão desse cadastro.
A JBS e os outros frigoríficos
signatários do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
comprometem-se a restringir negócios, em suas cadeias produtivas, com
empregadores inseridos na “lista suja”. A empresa chegou a ser suspensa do
Pacto em 2012, por descumprir obrigações previstas no monitoramento da cadeia
de fornecedores. Em janeiro de 2014, no entanto, foi readmitida entre os
signatários.
“Visto que a JBS apresentou
propostas e metodologias que visam controlar o sistema de compras da empresa,
mas não lida diretamente com o problema central da pecuária brasileira, à saber
a triangulação do gado, a empresa irá
liderar e apoiar a criação de Grupo de Trabalho específico do setor de
pecuária, que tem como objetivo mapear os problemas setoriais apresentando
possíveis soluções“, informou à época uma nota do Comitê de Coordenação e
Monitoramento do Pacto.
Conter o desmatamento associado a
essa triangulação com fornecedores indiretos é outro compromisso assumido pela
JBS, num acordo firmado com a ONG Greenpeace para a adoção de critérios míminos
de compra de gado na Amazônia. Os frigoríficos Marfrig e Minerva também
assumiram a mesma meta, mas os resultados, segundo o Greenpeace, ainda são
tímidos. “Para além de alguns projetos pilotos, ainda não existem mecanismos
sistemáticos para o monitoramento de fornecedores indiretos. Isso nos
preocupa”, diz Adriana Charoux, da campanha Amazônia da ONG.
Posição da JBS
Depois de bloquear a
comercialização de gado proveniente de Cirineide, a JBS afirmou, por meio de sua
assessoria de imprensa, que a única propriedade fornecedora cadastrada em nome
dela era a Fazenda Marajoara e que essa propriedade não está presente nas
listas do MTE e do Ibama. A empresa afirma que, segundo o sistema de monitoramento
socioambiental da empresa, não há irregularidades na propriedade.
A JBS
informa ainda que existem atualmente 2.232 fazendas fornecedoras de gado
bloqueadas pela empresa para qualquer transação comercial, resultado das ações
de monitoramento socioambiental da empresa. “Processos de auditoria
independente, promovidos pelo Ministério Público Federal e no âmbito do
compromisso público com o Greenpeace, sobre as compras de gado da JBS e o
funcionamento do sistema de monitoramento socioambiental da companhia,
revelaram mais de 99% de conformidade com nossos compromissos em favor de uma
cadeia de produção mais sustentável”, coloca a JBS.
A Repórter Brasil também tentou contato com Onério e Cirineide Castanha, e com o advogado que representa,
além dos dois, o filho do casal, Ezequiel Antônio Castanha. Não obteve retorno
até o fechamento dessa reportagem.